terça-feira, 29 de julho de 2008

O OVO DE OURO


Cara Amoralinha,

o seu último post é lindo...
nem tenho como responder dada a minha "inexperiência" no que se refere à maternidade em concreto... mas olha lá que eu já "pari" muita coisa por aí... afinal acho que a gente pode ser mãe de diversas coisas (incluindo ex-namorados...).
Enfim, não sou mãe... mas tenho um instinto materno muito aguçado a que tento dar vida através de meios abstractos, como a ficção...
Lá vai um pequeno monólogo que criei para a protagonista da minha próxima peça, que é UMA GALINHA, mãe de um lindo OVO chamado JC...

"G (a colocar o OVO em evidência):
Este aqui é o João, meu filho - João Carlos ... como o rei da Espanha!!! - não é lindo???... Não sei bem quem é o pai... mas não pensem, por favor, que eu sou uma Galinha promíscua!! Sou é cobiçada... pois sim…e tenho uma tendência para histórias intensas e fugazes... rápidas... digamos que a minha vida está mais para uma compilação de contos do que para um romance...
Nunca preocupei-me muito com isto, sabem... entretanto agora... agora que estou a passar por esta fase de transição... pois é... é sempre assim... episódio e transição.... depois, mais um episódio e transição... e a transição é branca, opaca... não se enxerga o além, mas sabe-se que ele está lá... acho que é esta a grande solução para as angústias do presente... saber que logo ali... para além daquela cortina branca, existe algo de novo... mas como dizia… entretanto agora... agora que estou a passar pela... pela... deve ser a décima… mais ou menos assim... já perdi as contas... transição da minha vida, sinto que as histórias que carrego, esta colecção de lembranças e sentimentos está a pesar demais... E não pensem que me considero uma velha, não é isto! Mas vivi demais e muito, e de repente vejo que já não aguento mais seguir com toda esta bagagem... começo a esquecer cenas e falas... as sequencias misturaram-se... e já não consigo mais enxergar uma linearidade temporal... as lembranças transformaram-se numa massa confusa e densa... perco-me nelas... e, como nunca tinha pensado nisto, dada a minha tendência para o fragmento, de repente vejo-me na necessidade de organiza-las... arruma-las em estantes por ordem alfabética e estabelecer um linha de continuidade entre todas... episódio... transição... episódio... transição... e lá está a busca da unidade... é... pois é... a vontade de deixar algo para a posteridade... uma “criação” que garanta a continuidade depois do “assado”...
[ergue o OVO com as duas mãos e depois aperta-o contra o peito]
E cá está o meu JC... a grande relíquia... ou melhor, o tesouro que guardo das minhas short stories... o porvir em si... sem mais nem menos... e, como todas as criadoras, as grandes MÃES, vislumbro um futuro de glória para o meu querido.... Quem sabe, o João possa até vir a ser o Galo do logotipo do azeite... ai… que carreira!
[faz uma curta pausa para reflexão. Quando recomeça a falar, assume um tom ainda mais enérgico...]
E sabe que numa dessas minhas aventuras, conheci um galo francês... um desses metidos a intelectual... que me queria convencer de que o que se deixa para a posteridade não precisa necessariamente ser um OVO... que a tal “criação” poderia ser qualquer coisa que saia lá de dentro e que de alguma forma transmita a nossa experiência para as gerações futuras … Imaginem só que delícia deve ser botar um livro bem retangular e ainda de capa dura!! Um daqueles estilo Dostoiévsk... crime e castigo na prática...
Enfim, eu na minha simples existência de Galinha só sei botar OVOS - lindos assim como o JC (de João Carlos, claro) - e nada mais. Sei também falar mal das outras Galinhas... mas isto é só um detalhe... um hobby.
E que não me venham com aquela história de que o OVO é provisório... de que o JC está debaixo das minhas asas só por um intervalo de vida, de que vai crescer seguir o seu caminho... e que eu, depois disso, como nunca fiz nada de marcante - nunca construí um avião, pari uma enciclopédia ou cometi um ataque terrorista… - vou ficar vazia, frustrada… isto pode até ser que aconteça às OUTRAS galinhas... avec MOI non! o MEU JC vai estar sempre preso à mamã... hão de ver..."

A continuar...

Ass: Amora

2 comentários:

Amoras.com disse...

amada amora;

vê lá se é mesmo hora de fazer doutoramento... eu acho é que vc tem que encenar mais esta!!!

e... quanto ao meu JR... este sim, vai estar sempre sob as asas de mamãe. e olha que ela nem costuma a fazer sopa... será mesmo por total empatia!!! (é assim que sonham as mães modernas, que não fazem sopa)

Amoras.com disse...

Amoralinha,

eu faço peça, eu faço doutoramento (que aliás é sobre viagem, teatro, mulheres etc... ou seja quase autobiográfico)... ou melhor, os outros fazem a peça... eu escrevo!
o meu trabalho já está. não quero ser produtora, neste caso. mas se precisar, sabe como é... EU FAÇO TUDO... ehehehehe... não tenho filhos :-) por outro lado, tenho tempo e buracos no coração a preencher...